Jesus nos ensinou que o mais importante da lei é a justiça, a
misericórdia e a fé. Tiago, como para não deixar dúvidas a respeito de qual é a
finalidade essencial do viver cristão, acrescenta que a misericórdia triunfa
sobre a justiça. Mas não tem sido assim na igreja cristã. É a contradição e a
incoerência que têm nos caracterizado. Pregamos paz e fazemos guerra. Falamos
da graça, mas vivemos sob as leis determinadas por nossas tradições, concílios,
encíclicas, convenções, regulamentos, regimentos, normas e princípios que
muitas vezes invertem a lógica de Tiago e fazem o juízo ser maior que a
misericórdia.
Que igreja desejamos? Que igreja estamos perpetuando? Qual o nosso
real critério de avaliação? Precisamos refletir sobre que tipo de ética
tem norteado a nossa tomada de decisão frente aos problemas do cotidiano que de
a muito escaparam do maniqueísmo do certo ou errado, bom ou ruim, céu ou
inferno, justo ou pecador. Enquanto buscamos uma santidade apenas exterior
baseada em não tocar, não provar, não manusear, outros estão com rapina, ódio,
preconceito, ganância, cobiça, violência, indiferença, falta de perdão e
arrogância em seus corações sem serem incomodados. Coamos mosquitos e engolimos
camelos. Em um diálogo do filme “Advogado do Diabo”, o personagem de Al Pacino
nos deu uma profunda radiografia da santidade cristã baseada em proibições:
“Pode olhar, mas não pode tocar. Pode tocar, mas não pode provar. Pode provar,
mas não pode gostar...”
O espírito farisaico e legalista sempre existiu. O profeta Isaias,
setecentos anos antes de Cristo, já advertia que “este povo honra-me com os
lábios, mas seu coração está longe de mim e o seu temor para comigo consiste só
em mandamentos de homens que maquinalmente aprenderam”. Este espírito se
enraizou profundamente no imaginário religioso, mesmo a igreja cristã assume os
mesmos moldes e os mesmos valores farisaicos contra os quais Jesus sempre lutou.
Até hoje nós seguimos uma ética legalista baseada em mandamentos
morais e sociais que não podem ser ultrapassados. No entanto, esta não era a
ética que Jesus seguia. Sua ética era eminentemente compassiva sem perder de
visa o que é essência na palavra de Deus.
Vemos isto claramente no capítulo oito do evangelho de João. Nele
a mulher adúltera, pega em pleno ato, é levada a Cristo para que ele dê o
veredicto. A lei a este respeito era absolutamente clara: quem fosse pego em
adultério deveria morrer apedrejado, tanto o homem quanto a mulher. Não havia espaço
na lei para a misericórdia, ela apenas impunha a punição. Não havia
nenhuma ressalva em relação à qualificação dos executores da pena; qualquer
pessoa, por pior que fosse, tinha o direito de apedrejar aquele que fosse pego
em adultério, era uma garantia da lei.
Pela ótica legalista, Jesus só poderia tomar duas atitudes: ou
denunciar a ausência do homem que também pecou e, portanto, também deveria ser
punido, ou orientar que trouxessem também o adúltero para que ambos fossem
apedrejados e mortos, cumprindo assim a justiça que havia na lei. Esta ótica
legalista não está presa aos tempos passados, nós também a seguimos. Por conta
da nossa ótica legalista, muitos homens e mulheres estão “orando” pela morte de
seu cônjuge para por fim a um casamento infeliz, outros estão começando
casamentos fadados ao fracasso para não ficarem “abrasados” e uma multidão está
vivendo na hipocrisia de uma santidade de aparências, visto que nós fazemos da
aparência a medida de todas as coisas.
Jesus fez algo totalmente fora dos padrões da ética legalista.
Para surpresa de todos, ele sacou, como que da manga, um argumento que nada
tinha a ver com a lei do adultério e mostra que muito além dos reducionismos
morais e dos maniqueísmos sociais a vida se desenvolve em uma dimensão em que
todos nós necessitamos da misericórdia de Deus: “Atire a primeira pedra, aquele
que não tiver pecado”.
A ética compassiva de Cristo nada tem a ver com a ética
relativista moderna, em que cada um tem a sua própria ética e o que é certo
para você pode não ser para mim. Muito pelo contrário, ela leva em conta as
circunstâncias individuais e o momento histórico, mas repousa nos valores
absolutos da fé e do amor ao próximo, portanto, transcende à visão
individualista e egocêntrica que permeia o presente século. Ela é
contextualizada sem ser permissiva. Ela é contemporânea justamente por ser
atemporal.
Ela é humana, exatamente por ser divina.
Precisamos desta ética, precisamos vivê-la, experimentá-la, não
apenas para nós, e nossos erros, mas também para o outro, pois aquele que julga
sem misericórdia também será julgado sem misericórdia. Precisamos entender que
a vida não é apenas um amontoado de regras em que classificamos o certo e o
errado, mas, antes, é surpreendente nas nuances, incongruências, contradições e
ambigüidades em que estamos envolvidos.
Sejamos éticos como Cristo foi, este é o princípio da santidade
que agrada ao Senhor.
Não Desista!
Pr. Denilson Torres
www.denilsontorres.com
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